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Metodologia mapeia desigualdade em redes de ensino

Matriz composta por diferentes indicadores avalia desempenho de escolas


Fabrício Marques | Revista Pesquisa FAPESP

Cinco cidades do interior paulista estão utilizando uma metodologia que se revelou capaz de indicar desigualdades em suas redes públicas de ensino, apontando de uma forma muito simples quais escolas têm desempenho destacado e quais necessitam de cuidados e intervenções. O modelo, criado pela cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), em Ribeirão Preto, fundamenta-se em uma matriz composta por indicadores que espelham diferentes dimensões do desempenho pedagógico, como a taxa de aprovação dos alunos, a distorção idade-série (quantos estudantes têm dois ou mais anos de idade acima do esperado para cada série), a nota da escola em avaliações externas e seu desempenho em matemática e língua portuguesa. Combinadas em um índice único, essas medidas revelam se as unidades da rede pública municipal estão ou não conseguindo vencer os desafios de aprendizagem e superar os problemas impostos pela realidade socioeconômica de seu entorno.


A aplicação da metodologia, que foi financiada pela FAPESP, gerou mapas georreferenciados das cidades de Ribeirão Preto, Cordeirópolis, Jundiaí, Francisco Morato e Batatais, nos quais escolas aparecem assinaladas no território do município com cores que resumem seu desempenho, do vermelho (indicadores que requerem atenção), passando pelo laranja, o amarelo (intermediários), até o verde (melhores). “O objetivo é melhorar a eficiência da gestão educacional. A metodologia se baseia em modelagens estatísticas e em ciência de dados para orientar secretários de Educação e gestores e facilitar a tomada de decisão”, explica o engenheiro químico Mozart Neves Ramos, coordenador da iniciativa. Ele ocupa a cátedra Sérgio Henrique Ferreira, que busca meios de contribuir com políticas públicas de cidades de médio porte, principalmente na área de educação. A metodologia é utilizada desde o ano passado para avaliar estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e permitiu comparar a evolução do desempenho das escolas entre 2017 e 2019, ajudando os gestores a identificar problemas e a buscar suas causas.

O biólogo Rafael Naime Ruggiero, coordenador do grupo de análise de dados da cátedra, diz que um dos diferenciais da metodologia é o foco em municípios de médio e pequeno porte e o uso de estatísticas para analisar a relação entre diferentes indicadores educacionais. “O objetivo é ter uma medida da desigualdade de desempenho em uma rede”, explica. O próximo passo da iniciativa será aplicar a metodologia pela primeira vez em uma grande metrópole – a rede de ensino municipal de São Paulo –, oferecendo um diagnóstico mais preciso das desigualdades escolares nas 13 regiões administrativas do município. Foi firmada uma parceria entre a cátedra e a Secretaria de Educação da capital paulista.

De acordo com Mozart Ramos, o diagnóstico também ajuda a avaliar se as causas de um eventual baixo desempenho estão dentro ou fora da escola. “Quando uma escola está em uma comunidade com índices elevados de violência ou de uso de drogas, o impacto na proficiência é muito alto. As crianças vivem sob estresse”, afirma. Ele ressalta que as soluções não necessariamente são simples. “O diagnóstico permite que a secretaria avalie se existe um problema de gestão e tente corrigi-lo. Mas é frequente que os problemas tenham a ver, por exemplo, com a falta de professores habilitados para ministrar determinada disciplina. Há lugares em que professores de matemática têm de dar aula de física e química.”

Ao analisar dados da rede de 109 escolas municipais de Ribeirão Preto, cidade no nordeste de São Paulo com mais de 700 mil habitantes, os pesquisadores da cátedra observaram, por exemplo, uma queda no desempenho de uma unidade, a Escola Vereador José Delibo, na comparação dos indicadores de 2017 e 2019. Os percentuais de alunos com aprendizado adequado em língua portuguesa caíram de 93% para 77% e em matemática de 82% para 64%. Eles foram ao colégio e descobriram que, nesse intervalo de tempo, antigos professores de português e matemática haviam sido deslocados para cargos de gestão, sendo substituídos por outros menos experientes. Outro fator importante foi que, nesse período, a escola deixou de fazer um processo seletivo de ingresso, passando a receber estudantes com diferentes níveis de aprendizagem que viviam nas proximidades.

Em Jundiaí, cidade com 423 mil habitantes distante 57 quilômetros da capital paulista, cuja rede municipal de ensino tem 104 escolas e 38 mil alunos, foi possível constatar a melhora no desempenho das unidades escolares, atribuída a uma política pública desenvolvida nos dois mandatos de prefeito mais recentes. Trata-se da metodologia do “desemparedamento da escola”, que busca adaptar os currículos da educação infantil e do ensino fundamental de modo a levar os alunos a ambientes fora da sala de aula, aproximando-os, por exemplo, da natureza e da cidade em que vivem, além de usar tecnologias digitais para colocá-los em contato virtual, por exemplo, com acervos de museus de outros países. De acordo com Vastí Ferrari, secretária da Educação do município, a metodologia ajudou a mostrar o quanto cada colégio conseguiu apropriar-se da proposta pedagógica.

“Uma surpresa boa foi ver uma escola que tinha um nível médio de rendimento em avaliações externas abaixo de 7, em uma escala que vai até 10, evoluir para nota 8 depois que começou a trabalhar com a metodologia do desemparedamento, conta a secretária. “Quando pergunto para a direção da unidade o que aconteceu, ela tem clareza em responder que colocou as crianças para trabalhar com questões da natureza que melhoraram seu repertório científico, que utilizou estratégias lúdicas para melhorar o nível de escrita e que fez reuniões mensais com os professores para resolver os problemas da escola e acompanhar o desempenho de cada aluno”, explica.

Segundo Ferrari, nas unidades escolares onde houve mudanças internas e a metodologia ainda se encontrava em fase de implementação, sentiu-se reflexo no desempenho medido pela métrica da cátedra do IEA-USP. “As escolas são muito sensíveis a mudanças como a aposentadoria de professores experientes e sua substituição por outros mais jovens, que nem sempre conseguem reproduzir estratégias em curso anteriormente”, afirma. O desafio agora, diz a secretária, é disseminar entre as escolas com dificuldades as soluções e inovações adotadas pelas que obtiveram bons resultados. “Esse conhecimento precisa ser compartilhado com toda a rede, e a metodologia baseada em dados e evidências nos dá segurança para mostrar o que está dando certo.”

Em Cordeirópolis, na Região Metropolitana de Piracicaba, a metodologia tornou-se uma ferramenta para monitorar o desempenho das 14 unidades de educação infantil e ensino fundamental, que atendem 2,9 mil alunos. Mas a rede de ensino também se beneficiou de uma iniciativa complementar da cátedra Sérgio Henrique Ferreira, que é a oferta de um curso de introdução à análise de dados educacionais para diretores e gestores, mostrando como obter e interpretar as informações e usá-las para tomar decisões. “Os gestores geralmente não estão preparados para analisar dados. Nossa coordenadora de ensino fundamental fez o curso e imediatamente começou a aplicar esses conhecimentos à nossa rede”, explica a secretária de Educação de Cordeirópolis, Angelita Ortolan. “Como nossa cidade é pequena, é possível hoje fazer avaliações muito específicas e analisar dificuldades de cada escola, cada série e cada aluno.”

Em 2022, a primeira edição do curso, em formato on-line, capacitou 33 gestores de 10 municípios. No ano passado, houve uma edição presencial, em Ribeirão Preto, com 29 formados de 17 cidades. “Queremos que os gestores consigam obter e analisar as informações de forma independente. A ideia desse tipo de treinamento é disseminar uma cultura de análise de dados”, diz Ruggiero, que coordena a oferta desses cursos na cátedra.

No caso de Cordeirópolis e de Batatais, essa estratégia agora faz parte da legislação municipal. Em junho, as câmaras de vereadores das duas cidades aprovaram leis instituindo políticas públicas de educação baseadas em evidências em seus sistemas municipais de ensino. “Uma lei desse tipo é fundamental para que o munícipio, independentemente de quem esteja no poder, possa executar ações educacionais que estejam fundamentadas em pesquisas e estudos científicos, impulsionando a aprendizagem e a equidade e diminuindo desigualdades educacionais”, diz Victor Hugo Junqueira, secretário de Educação de Batatais, cuja rede de ensino atende 4,5 mil estudantes e é composta por 11 escolas e nove creches. A justificativa dos projetos de lei, que contaram com o apoio da cátedra, é que grupos de pesquisa consolidados podem contribuir para melhorar a qualidade da educação, fornecendo diagnósticos baseados em evidências. “Se um gestor não apoia quem lida com os números, acaba trabalhando com base em achismos e as crianças continuam sem aprender”, disse Mozart Ramos, um entusiasta do uso de dados na formulação de políticas educacionais desde que foi presidente-executivo do movimento Todos pela Educação – atualmente, ele é membro do Conselho Superior da FAPESP.

O uso de dados e evidências na gestão de educação está se disseminando. Um exemplo vem do Ceará, estado conhecido por experiências pedagógicas e políticas públicas inovadoras. Uma iniciativa da Secretaria Estadual de Educação liderada pelo matemático Jorge Lira, da Universidade Federal do Ceará, conseguiu identificar, por meio de testes aplicados de duas a três vezes por ano a alunos do ensino médio, deficiências específicas no aprendizado de matemática, relacionadas, por exemplo, a conhecimentos de aritmética básica, que eles traziam do ensino fundamental. Tais déficits estão sendo sanados com recomposição de aprendizagem para os alunos e formação específica para os professores. A iniciativa é financiada pela Secretaria da Educação do Estado do Ceará em colaboração com o Programa Cientista-chefe, da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), que busca aproximar o meio acadêmico da gestão pública ao colocar pesquisadores para ajudarem a resolver problemas enfrentados por órgãos governamentais (ver Pesquisa FAPESP nº 274).

Lira conta que a estratégia foi um desdobramento de um esforço para compreender por que o desempenho dos estudantes brasileiros em matemática, de modo geral, fica estagnado ou decai durante os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, ao contrário do que ocorre com outras disciplinas. “Constatamos, ao avaliar os alunos, que um problema de fundo era a baixa consolidação de certos conhecimentos básicos, como lidar com operações aritméticas”, explica. Outra constatação é que deficiências na formação de professores contribuíam para o problema – nem todos tinham ferramentas pedagógico-matemáticas para ajudar os alunos.

Uma vez identificados os conhecimentos básicos que representam dificuldades para os estudantes, são construídas, com os professores, sequências didáticas para retomar e revisar os conteúdos. “Produzimos materiais estruturados adaptáveis aos diferentes percursos formativos e oferecemos sugestões sobre como implementá-los.” O resultado da estratégia, baseada na avaliação de mais de 300 mil alunos das três séries do ensino médio, pôde ser medido inclusive durante a pandemia de Covid-19. “Ao contrário do que se esperava, não houve uma queda no desempenho dos alunos da rede estadual em matemática durante o isolamento social. As notas médias se mantiveram e as provas mostraram que os gargalos que os alunos enfrentam hoje estão relacionados a conteúdos mais complexos do ensino médio e não mais com os do fundamental – uma notável melhora qualitativa”, conclui Lira.

A reportagem acima foi publicada com o título “O mapa da desigualdade escolar” na edição impressa nº 342, de agosto de 2024.

Projeto 

Uso de modelagens estatísticas e de ciências dos dados para melhorar aprendizagens e reduzir desigualdades escolares das redes públicas de ensino (nº 22/06522-8) Modalidade Auxílio à Pesquisa – Pesquisa em Políticas Públicas; Pesquisador responsável Mozart Neves Ramos (IEA-USP); Investimento R$ 376.947,22.

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